Fé e Cidadania

Amor, justiça e política se tocam no Magistério de Bento XVI

Em tempos de eleição é bom refletir sobre o mandamento do amor e a atividade política. Será possível algum tipo de conexão?

Na concepção do Papa Emérito Bento XVI, como em toda a doutrina social católica, a construção de uma sociedade justa está nas mãos da política.

E, em relação à política, a Igreja trabalha no sentido de despertar as consciências sobre o bem, a justiça e o amor, para a construção dessas estruturas justas. Nesse sentido, o Estado não é um gigante responsável por todos os problemas humanos e sociais, mas aquele que apoia iniciativas particulares das mais diversas forças da sociedade, que surgem de seu próprio meio, estão próximas ao cidadão e conhecem suas reais necessidades. 

Insere-se nessa descrição a própria Igreja, que é uma dessas forças vivas na sociedade: “nela pulsa a dinâmica do amor suscitado pelo Espírito de Cristo. Esse amor não oferece aos homens apenas uma ajuda material, mas também refrigério e cuidado para a alma – ajuda essa muitas vezes mais necessária que o apoio material” ( Deus caritas est , DCE 28). 

Os que afirmam que o alcance de estruturas de justiça dispensaria o serviço do amor revelam uma concepção materialista da vida humana, pois o amor é o que há de mais especificamente humano. 

Além disso, os fiéis leigos, esses sim, animados pela fé e despertados pela consciência do amor para atuar em prol do bem comum, podem atuar na política para colaborar na idealização de leis justas e concretização de políticas públicas favoráveis aos mais necessitados. 

Bento XVI tem uma preocupação que concerne à relação entre a justiça e o amor e que se baseia em dois pontos essenciais: a) o dever da política é a justa ordem da sociedade e do Estado e b) o amor é necessário à justiça (DCE 26ss) 

O primeiro ponto traz um retorno à ideia agostiniana de que sem a justiça, o Estado se reduziria a “um bando de salteadores”, pois a política não é a mera técnica de administração e elaboração/aplicação de leis. Sua origem e seu fim tem natureza ética: a justiça. 

Para poder operar retamente, a razão deve ser continua- mente purificada, porque sua cegueira ética, derivada da prevalência do interesse e do poder que a deslumbram, é um perigo nunca totalmente eliminado (DCE 28). 

Sendo a política atividade inerente ao ser humano, a Igreja entende que é seu dever contribuir para essa formação ética “para que as exigências da justiça se tornem compreensíveis e politicamente realizáveis” (idem).

Não se roga o papel de fazer política, mas não se exime de participar na busca de uma concepção do que seria uma ordem social justa, por meio de seus pronunciamentos. O amor ao próximo é um amor concreto e comprometedor, que envolve não apenas o aspecto individual, mas social, posto que o homem não vive em isolamento, mas em contínua inter-relação (DCE 16ss). 

Assim, Bento XVI reafirma o princípio do amor entrelaçado à verdade que visa a professar critérios orientadores de ação moral para a construção de ordens sociais justas no mundo, fundamentadas nos valores da justiça e do bem comum (Caritas in veritate, CV 6). 

A Igreja não pretende imiscuir-se em assuntos de competência estatal, mas sua missão está a serviço da verdade, e esta, por sua vez, está a favor da dignidade do homem e de sua vocação. Este é o sentido de sua doutrina social. 

 

Daniela Jorge Milani é mestre e doutoranda em Filosofia do Direito na PUC-SP e advogada em São Paulo.
 
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