Comportamento

Cozinha, convívio familiar e o sentido da vida

Recentemente, em viagem de férias a uma cidade do sul do País, encontrei, num museu do imigrante local, uma descrição sobre o espaço da cozinha que me trouxe à tona lembranças remotas muito alegres, assim como muitas reflexões. Gostaria de compartilhá-las aqui. 

Dizia a placa do museu: “Cozinha - na cozinha ardia o fogo, cozinhava-se, faziase as refeições, guardava-se a comida e rezava-se o Rosário. Ao redor do fogão, reuniam-se para os filós, onde várias famílias encontravam-se para conversar, comer, confraternizar e cantar. As mulheres aproveitavam para costurar, fazer tranças e conversar e os homens jogavam cartas. Comiam-se amendoins, pinhões, batata- -doce... Simultaneamente ao preparo da comida, as crianças aprendiam as orações e ouviam histórias sentadas na banca que cercava o fogão. Durante as refeições, os italianos tratavam dos assuntos do dia. Após o jantar, junto às atividades domésticas, criaram a tradição de oração familiar, com a reza do Terço. A cozinha bastante rudimentar possuía importância social, pois era o ponto de reunião da família e dos vizinhos.” 

Lembrei-me de muitos momentos que vivi na minha infância em torno da mesa nas casas de minhas avós. Por vezes, “ajudando” no preparo de algo gostoso –  pamonha, paçoca, croquetes, nhoque –, em outras, comendo rapidamente para brincar com os primos enquanto os adultos conversavam alegremente; ainda em outras ouvindo histórias dos meus avós e me divertindo com as piadas que eram contadas pelos meus tios. Que delícia os momentos que vivi nas cozinhas que fizeram parte de minha história! Além de comermos,  convivíamos, conhecíamos a história da família, divertíamo-nos, rezávamos e aprendíamos valores. Conhecíamos com as histórias que ouvíamos a conduta de nossos familiares mais velhos, o que acreditavam, ao que atribuíam valor, como resolviam os problemas, como se divertiam. Despertava um sentimento de pertença: fazemos parte de algo maior. Tornava-se um orgulho ser parte daquela família, defender aqueles valores. Além disso, comer é algo de um valor simbólico grandioso: a comida está relacionada ao cuidado, à nutrição, à vida. É uma forma de carinho. 

Hoje, nossas cozinhas mudaram completamente, tanto do ponto de vista físico (nos apartamentos modernos são, normalmente, o cômodo de menor área), quanto funcional (as famílias ficam pouco tempo nesse espaço, em muitas nem sequer as refeições são feitas em conjunto nele). O preparo da comida é algo rápido, afinal, somos a geração fast-food - não perdemos tempo com isso. Aos poucos, fomos gastando mais tempo com o trabalho e menos com os cuidados próprios do ambiente familiar, com o convívio, com as conversas e momentos de partilha. Nossos passatempos familiares, via de regra, são fora de casa e, quase sempre, permeados de acessórios tecnológicos que podem acabar interferindo muito no convívio com os que estão presentes. 

Nosso modo de vida mudou, temos pouco tempo para quase tudo. Somos consumidos pelo trabalho. A mentalidade consumista  nos impele a buscar mais do ponto de vista material e, quase sem percebermos, nosso convívio familiar vai ficando em segundo plano. Nossas casas quase não têm mais cheiros: cheiro de arroz, feijão, de bolo assando fresquinho... Cheiro de lar. Cheiro que “abre o apetite”, que une as pessoas em torno da mesa. Sim, as mudanças acontecem, e muitas são necessárias e inevitáveis. Mudar é bom; porém, precisamos avaliar sua direção, seu sentido. Será que do modo que estamos vivendo, estamos conseguindo transmitir às novas gerações os valores e condutas que acreditamos serem bons para uma vida lúcida e equilibrada? Será que podemos, de modo criativo, aprender com nossos antepassados e buscar um modo mais equilibrado de convívio que dê mais sentido à vida? 

 

 

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