Editorial

Anacronismo, polarização e profetismo

A história humana, entendida como a sucessão de fatos que se entrelaçam ao longo do tempo e em cada povo e civilização, é essencialmente dinâmica. Os conhecimentos e progressos que uma geração alcança são transmitidos por meio do aprendizado à outra, servindo- -lhe como ponto de partida para novas descobertas. Graças a esse movimento, motor da evolução cultural, científica e tecnológica da humanidade, a história é sempre nova, nunca se repete, até porque os sujeitos que a protagonizam e a circunstâncias na qual atuam se modificam a todo tempo e são sempre novos.  

Cada evento é único e exerce uma influência sobre a pessoa, formando o conjunto das experiências pessoais que serão usadas para a relação com o mundo e com os outros. Se é verdade que se aprende a nadar uma única vez, e essa experiência se perpetua em quem o aprende, também é verdade que cada mergulho e que cada braçada de um nadador são sempre diferentes, uma nova experiência. Parafraseando o filosofo Heráclito, podemos acrescentar que não é possível mergulhar duas vezes no mesmo rio, pois tanto o rio quanto a pessoa já se modificaram. 

O reconhecimento do caráter dinâmico da vida humana necessariamente se impõe contra interpretações anacrônicas da história, segundo as quais os fatos simplesmente se repetem no tempo e no espaço. Nelas, o presente é entendido como mera repetição do passado, sobre o qual nada se aprendeu. As máximas pessimistas “nada de novo na face da terra”,  “o ser humano não tem jeito”, “a corrupção sempre vai existir”, entre outras, são expressões dessa má compreensão da história.

Ainda considerando a essência dinâmica da história e a realidade humana envolvida, é que não se deve andar no caminho que leva à polarização. Por essa via, criam-se separações e se alargam os abismos dividindo as pessoas. Para se afirmar, um grupo precisa destituir o outro, e isso leva a movimentos em círculo, de superação e derrota. No ambiente polarizado, as partes envolvidas agem mais pela paixão do que pela razão, e, nesse caso, vale tudo, inclusive calúnia, difamação, mentiras e vingança. A grande tentação é dizer que a polarização explica ou justifica a história, mas tudo o que se consegue com a polarização é o desgaste das partes e a derrota de todos.

O Cristianismo é um convite à transcendência, mas nem por isso deixa de ter uma exigência imanente, pois a fé tem uma palavra sobre a realidade concreta da vida neste mundo. A atitude profética é o que caracteriza essa maneira própria da vida cristã na relação com a história. Porém, a profecia não nasce da dinâmica da história, como que impulsionada pelos acontecimentos, nem da polarização das partes, gerando rivalidades: ela é fruto da escuta religiosa de Deus, que fortalece a comunhão entre as pessoas.  Sendo assim, nem o anacronismo nem a polarização são instrumentos proféticos com capacidade de despertar a força viva da sociedade para uma mudança verdadeira.

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