Editorial

Guerras esquecidas

O Papa Francisco convocou a Igreja no mundo inteiro a iniciar o tempo da Quaresma com um dia de jejum e oração, pedindo pela paz nas regiões do mundo onde prevalecem os conflitos. Pediu que rezássemos de modo especial por dois países africanos, a República Democrática do Congo e o Sudão do Sul.

A exortação do Papa reforça o tema da Campanha da Fraternidade promovida pela CNBB, que, este ano, tem como foco o combate a todo tipo de violência. 

Ao pedir para rezarmos e fazermos penitência pela paz, o Santo Padre certamente pretendeu que todos nos comprometêssemos em buscar caminhos para a superação de todos os tipos de violência, a começar pelas grandes e pequenas manifestações de rancor, ódio e falta de perdão, que, talvez, estejam em nosso próprio coração, já que a melhor maneira de mudar o mundo é mudando, antes de tudo, a nós mesmos. 

Mas por que o Santo Padre, em seu pedido de oração, deu ênfase às guerras que afligem a República Democrática do Congo e do Sudão do Sul?

Os conflitos internos no Congo têm raízes antigas, alimentadas por diferenças de interesses, ódios remanescentes entre tribos que nunca foram superados e historicamente acabaram ampliados por intervenções de colonos estrangeiros. Entre as questões que estão no centro do conflito, destaca-se a disputa pelo controle dos minerais congolenses - diamante, cobre, cobalto, ouro e nióbio –, que, em boa parte, são contrabandeados para outros países, como Uganda, Burundi e Ruanda. 

A independência do Congo, que pertencia à Bélgica, em 1960, foi marcada por violentos conflitos e manifestações populares. Entre 1998 e 2003, o País viveu o drama da chamada Guerra Mundial Africana, um conflito que envolveu, além da República Democrática do Congo, outros oito países africanos e cerca de 25 grupos de milícias armadas. Como resultado, centenas de milhares de pessoas morreram, grande parte de inanição ou doenças. 

Em 2012, uma nova guerra civil foi instaurada no Congo e ainda não foi resolvida. Chacinas de homens, estupros de mulheres, sequestros de crianças são usados como armas de grupos rivais, provocando miséria e ondas de refugiados. Especialistas apontam como causa do atual conflito a falta de um governo legítimo. Grupos de rebeldes e insurgentes resistem ao governo de Kinshasa (capital do País), o que se agravou após o Presidente Joseph Kabila ter recusado ceder o poder no fim de seu segundo mandato, conforme a Constituição. Segundo os dados da ONU, 1,7 milhão de residentes do Congo foram forçados a fugir de suas casas só em 2017. 

No Sudão do Sul, a situação é semelhante. Independente desde 2011 e com uma guerra civil iniciada em 2013, o País de 12,5 milhões de habitantes tem uma das piores situações humanitárias do mundo. A agência da ONU para os refugiados (Acnur) aponta que, até o início de 2017, mais de 1,5 milhão de pessoas fugiram do País desde o começo do conflito armado. Dados do Unicef indicam que cerca de 270 mil crianças sul-sudanesas estão desnutridas. 

Juntos, os conflitos nesses dois países mataram mais pessoas do que a Segunda Guerra Mundial e constituem um verdadeiro holocausto africano.  Ao chamar a atenção para o Congo e o Sudão do Sul, Francisco pretende, em realidade, recolocar em pauta e chamar a atenção da comunidade internacional para essas “guerras esquecidas”, que há tantos anos afligem aquelas populações.  E não podemos nos esquecer que entre as formas do pecado está a da omissão.

 

Para pesquisar, digite abaixo e tecle enter.