Opinião

Papa Francisco e as verdades incômodas sobre a corrupção

É um fato bem conhecido, amplamente divulgado pela mídia, que o Papa Francisco se posiciona sempre contra a corrupção. Mas poucas vezes nos detemos em suas palavras para aprofundá-las e considerar suas consequências, muitas vezes incômodas, nos planos pessoal e sociopolítico. 

Num discurso aos membros da Comissão Parlamentar Antimáfia italiana, em 21 de setembro último, o Papa lembra que a corrupção não pode ser creditada simplesmente ao contexto e ao modo de operar dos políticos (o, entre nós tradicional, “faço porque todos fazem” ou “faço porque não tem outro jeito de fazer”). Cita o Evangelho de Marcos (7, 20-23): é no coração do ser humano – e não no exterior da pessoa – que nascem todas as maldades. 

Quando nos fechamos numa posição autossuficiente, continua Francisco, perdemos as referências éticas adequadas e nos entregamos à corrupção. Assim, na situação brasileira atual, por exemplo, muitos homens públicos começaram trilhando um caminho justo, mas perderam seus referenciais e passaram a buscar seus interesses privados e não o bem comum. Nós mesmos, nos espaços que ocupamos, talvez mais restritos, nem por isso sem importância, muitas vezes perdemos os justos referenciais para a ação. 

Em outras ocasiões, o Papa lembrou que o pecador pode se arrepender e voltar a trilhar o caminho da virtude. O corrupto é justamente aquele que se recusa a ver seu erro e se emendar. E arrepender-se não implica apenas em reconhecer a falta, mas também em fazer todos os esforços e sacrifícios possíveis para repará-la. 

Continuando sua reflexão aos membros da Comissão Parlamentar Antimáfia, Francisco explica que a luta contra as máfias que dominam as estruturas do Estado e ameaçam o bem comum acontece em três planos: político, econômico e da consciência.

Nos dois primeiros níveis, o Papa lembra a estreita associação entre justiça social, enfrentamento das desigualdades e da pobreza e combate à corrupção. Organizações criminosas e políticos corruptos florescem onde as condições sociais são mais precárias. 

Não é acidental que a mais importante medida da corrupção no cenário mundial, o Índice de Percepção de Corrupção, publicado pela Transparência Internacional, tenha uma estreita correlação com o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) dos países. A corrupção impede o pleno desenvolvimento dos povos, ao mesmo tempo que a falta de instrução, condições de vida dignas e participação política efetiva dificultam o combate à corrupção. 

Por fim, Francisco lembra que a luta contra as máfias e a corrupção passa pela educação a uma nova consciência civil, em que cada um se sinta comprometido com a vigilância e a luta pelo bem comum. 

A batalha contra a corrupção é, evidentemente, policial e jurídica, mas se ficar restrita a essa dimensão pode se transformar num enorme esforço para “enxugar gelo”, pois não ataca as condições que permitem o crescimento da corrupção. 

Educar a todos para uma cidadania responsável e participativa; acompanhar os políticos para que não se percam na autorrefencialidade, mas permaneçam vinculados a seus eleitores e comprometidos com o bem comum; trabalhar para o desenvolvimento humano integral, particularmente dos mais pobres e excluídos: esses são os passos necessários para combater o mal da corrupção a partir de suas raízes.

O Papa Francisco nos ajuda a perceber a luta contra a corrupção num horizonte muito mais amplo do que o da judicialização da política, no qual todos estamos comprometidos e temos uma contribuição a dar.

Arte: Sergio Ricciuto Conte

As opiniões expressas na seção “Opinião” são de responsabilidade do autor e não refletem, necessariamente, os posicionamentos editorais do jornal O SÃO PAULO. 

 

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