Encontro com o Pastor

Missa em homenagem aos mortos?

No feriado de Finados, os cemitérios enchem-se de vida: pessoas de todas as idades visitam os túmulos dos falecidos e os cobrem de flores, rezam, acendem velas... É festa? Não é festa, mas recordação e homenagem aos que já foram. Sobretudo, é matar a saudade de pessoas caras e tomar consciência de que também a nossa vida é frágil e passageira. É bem realista a inscrição sobre o portão de ingresso de um cemitério: “visitante, os mortos te saúdam! O que tu és agora, eles também já foram. O que eles agora são, tu também serás”.

Para os cristãos, a visita ao cemitério e a recordação dos falecidos possuem um significado a mais. Nós recordamos os nossos falecidos diante de Deus, expressando nossa fé em Deus salvador e Senhor da vida e da morte. Ele nos chamou à existência, não apenas para experimentar um pouco de vida, mas para nos dar vida em plenitude. Deus quer que nós vivamos. 

Nossa fé nos diz que a morte é a última palavra sobre a nossa existência. Somos chamados a participar da vida, unindo-nos ao Deus da vida. “Para Deus, todos vivem” (Jo11,25), diz Jesus. Também os falecidos, unidos a Deus pela fé, esperança e amor, vivem com Deus. Os túmulos dos falecidos são, ao mesmo tempo, guardiães da morte e anunciadores da esperança de vida. Por isso, a visita ao cemitério deve ser acompanhada de oração com fé e de serena esperança. Somos chamados à vida e não estamos acorrentados à morte. Levar flores aos túmulos é sinal de homenagem, mas também é anúncio de esperança.

As palavras do justo Jó expressam bem a fé no Deus da vida (cf. Jó 19,127). Depois de cair na desgraça e de perder tudo; depois que também seu corpo ficou todo coberto de lepra e que ele ficou só, sem amigos, sem filhos, sem a esposa, quando alguns o desafiavam a desistir de sua confiança em Deus, Jó responde: “eu sei que o meu Redentor vive e que, por último, Ele se levantará do pó da morte. E, destruída esta minha pele, na minha carne, eu verei a Deus. Sim, eu mesmo O verei, meus olhos O contemplarão”. Deus vive e, quem crê n’Ele, não será abandonado no pó da morte. 

A promessa de Jesus vai na mesma direção. “Esta é a vontade d’Aquele que me enviou: que eu não perca nenhum daqueles que Ele me deu, mas os ressuscite no último dia. Pois esta é a vontade de meu Pai: que toda pessoa que vê o Filho e n’Ele crê tenha a vida eterna. E eu o ressuscitarei no último dia” (Jo 6, 39-40). Crer em Cristo já é ter parte na vida eterna, pois Ele possui a vida eterna.

Para os cristãos, ir ao cemitério no dia de Finados é também um testemunho de nossa fé em Jesus Cristo ressuscitado e no Deus da vida. É consequência da nossa fé na vida eterna e nas promessas de salvação e vida pela que o Evangelho nos reserva. Sabemos que nem todos possuem essa mesma fé e compreensão da vida e da morte humanas e respeitamos as compreensões diversas da nossa. No entanto, não devemos ignorar nem esconder a compreensão cristã da vida e da morte. Não temos esperança em Deus apenas para esta vida (cf.1Cor 15,19). 

Nós cremos na ressurreição dos mortos, por obra de Deus, no dia em que Ele assim dispuser. Isso é parte central do belo anúncio do Evangelho e dos ensinamentos mais sólidos da fé cristã. A reencarnação não faz parte da fé cristã e a contradiz. Também não está conforme ao ensinamento da Igreja afirmar que o falecimento de alguém já significa a sua imediata ressurreição. A morte humana é real e verdadeira; ela não é apenas aparente. A nova vida que esperamos é obra de Deus e não consequência automática da morte corporal. 

A Igreja recomenda rezar pelos falecidos, confiando-os à misericórdia de Deus. O melhor de tudo é oferecer a Santa Missa por eles, pedindo que Deus os acolha, em vista da graça salvadora da paixão, morte e ressurreição de seu Filho, Jesus Cristo. É isso que ainda podemos fazer pelos falecidos.

Mas, é necessário cuidar da linguagem usada, ao falar da oração ou da Missa pelos falecidos. Não se trata de “homenagem aos falecidos”, como se interpreta muitas vezes e se divulga na imprensa e na mídia. Nós cristãos católicos não fazemos “culto aos mortos”, e a Missa é sempre celebrada como adoração e homenagem a Deus. Ao mesmo tempo, ela pode ser oferecida a Deus “em sufrágio”, ou seja, em favor da salvação dos falecidos.
 

Cardeal Odilo Pedro Scherer
Arcebispo Metropolitano de São Paulo
Artigo publicado no jornal "O SÃO PAULO", edição 01/11/2017
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