Opinião

O que é Logoterapia e por que ela interessa tanto aos católicos?

Partindo de uma tradução literal do termo, Logoterapia é a “terapêutica mediante o logos, mediante o sentido”, criada pelo neurologista e psiquiatra Viktor Emil Frankl, cujos prolegômenos já eram ensaiados antes da segunda grande guerra. Conhecer a Logoterapia nos obriga necessariamente a um encontro com seu fundador, que experimentou em sua carne os horrores de quatro campos de concentração nazistas. Paradoxalmente, estes ensinaram a Frankl o que era o homem, uma vez que de seu aniquilamento e sua desnudez, uma só coisa foi conservada: sua humanidade mais essencial. E é exatamente tal experimentum crucis que confirmou sua principal intuição: a de que a vida tem sentido em qualquer circunstância.

O que Frankl denominou como síndrome da falta de sentido, cujo sintoma é um sentimento indeterminado de angústia, de vazio, pela "falta de conteúdo" para a própria existência, foi detectada no entre guerras como um problema da época. No entanto, acentuou-se com a crise da modernidade e permanece tão atual que se tornou uma característica emblemática da pós-modernidade.

Evocando, certa vez, o que considerava o legado do século XIX, Frankl afirmava que as ciências naturais derivaram para um arraigado "naturalismo" e a técnica para fins meramente utilitaristas, dificultando a autocompreensão do homem e sua visão de mundo. O problema é que ao "naturalizar-se" o homem se "desnaturaliza"; ao considerar-se um ser exclusivamente natural, à maneira das ciências positivas, desvia-se de sua própria natureza e perde a consciência de seu próprio ser. Da mesma forma, o mundo deixa de apresentar-se como um horizonte de sentido, porque se transforma em meio para fins utilitários, perdendo-se também a consciência da finalidade da própria técnica.

E quem é o homem? Aquele que decide sobre si mesmo em qualquer circunstância, e o faz sempre de novo, decidindo o que será no momento seguinte. A partir dessa compreensão, "o homem começa ali onde o naturalista diz que termina".

O tema do vazio existencial continua sendo, sem dúvida, o problema de fundo da cultura atual. Mas esse “sintoma do tempo”, no entanto, não poderia ser enfrentado pelas psicoterapias tradicionais, porque não é derivado de mecanismos psicodinâmicos a que recorrem as chamadas "psicologias profundas", mas um sintoma característico da frustração da "vontade de sentido", a motivação mais primária da existência humana. Frankl introduz, no campo da psiquiatria, uma entidade noológica (de caráter espiritual) até então não levada em consideração pela ciência: a vontade orientada à busca do sentido da existência pessoal, nas situações particulares e concretas da vida.

A visão de homem da Logoterapia considera a dimensão espiritual como a mais elevada e integradora, a dimensão propriamente humana. Em dita dimensão o homem se revela como um ente em busca de sentido; uma busca que, se realizada em vão, será origem de muitos males da nossa época.

Observa-se que as pessoas ou profissionais católicos interessados na Logoterapia logo percebem sua contribuição por ser um complemento, quando não um contraponto, para os modelos considerados reducionistas, justamente pela restrição que trazem em sua visão de ser humano. Tal restrição se dá por não contemplarem a espiritualidade humana como uma dimensão constitutiva desse ser, sempre capaz de ir além de si mesmo em sua abertura intrínseca para o outro e para a Transcendência, para os valores e para o sentido.

 

Os católicos compreendem-se em sua própria dignidade de pessoas que descobrem o próprio valor como seres únicos e irrepetíveis. Essa irrepetibilidade adquire uma projeção que se faz presente no desenvolvimento do projeto existencial pessoal e, nesse sentido, percebem-se livres para responder a uma vocação particular. Esses são os primeiros fundamentos da Análise existencial e Logoterapia. O chamado à liberdade está no centro da visão antropológica cristã, e a postura frankliana é a afirmação contundente de que, apesar dos condicionamentos de ordem biológica, psicológica e sociológica experimentados pelo ser humano, este tem sempre a capacidade de adotar uma atitude livre perante eles. Essa liberdade-para o projeto existencial de humanizar-se só se concretiza, porém, mediante a capacidade análoga de responder: ser responsável por sua própria liberdade. Ao tomar consciência de seu estar-no-mundo, o ser humano descobre que tem a tarefa de assumir, em primeiro lugar, a própria vida. A partir daí prepara-se para responder perante os demais e perante Deus.

A dignidade da consciência moral é outro aspecto sine qua non da antropologia cristã. A consciência é o centro mais secreto do homem, no qual se encontra com Deus e onde ressoa sua voz (GS, 16). Para a Logoterapia, é o “órgão do sentido”, pois intui o sentido e o valor de cada situação existencial. A voz da consciência, segundo Frankl, se faz ouvir para crentes e não crentes, pois todo ser humano é por ela orientado na busca e na descoberta de sentido. Mas, além de intuitiva, a consciência é essencialmente dialógica; e tal diálogo se transformaria num monólogo se não se dirigisse a um Tu transcendente. Em seu livro A presença ignorada de Deus (Editora Vozes, 2008), Frankl desenvolve uma abordagem fenomenológica da consciência moral como o espaço íntimo em que se encontra uma religiosidade muitas vezes reprimida e uma “presença” tantas vezes ignorada.

Finalmente, nesse pequeno espaço que almeja abarcar mais do que lhe é devido, uma palavra sobre um tema eminentemente cristão, que Frankl aborda com uma profundidade humana e existencial como poucos. O ser humano é homo patiens: capaz de encontrar sentido inclusive no sofrimento. Quando a pessoa se vê ante um destino doloroso que não pode mudar, ainda lhe resta o ato autenticamente livre de posicionar-se interiormente frente à situação, o que lhe abre perspectivas até então desconhecidas de sentido. O sofrimento assumido com dignidade ostenta a potencialidade única de crescimento e de humanização.

A Logoterapia, portanto, tem como foco resgatar o que é “essencialmente humano” na pessoa, o que converge com o pensamento católico. Vale lembrar a audiência particular de Frankl com o Papa Paulo VI, quem reconheceu a importância da Logoterapia não só para a Igreja Católica, mas para toda a humanidade. Também São João Paulo II a recomendou, em carta aos profissionais da saúde, em 1995. Sem dúvida, a Logoterapia vem agregar na formação das lideranças e no enfrentamento dos desafios que vive a Igreja nos dias de hoje.

 

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