Opinião

Sobre Queermuseu, mãos abertas e punhos cerrados

Segundo o jornal O Globo, em sua edição de 27/09/2017, as reações contrárias à exposição Queermuseu, nas redes sociais, foram aproximadamente 17 vezes mais frequentes que as favoráveis. A notícia fala por si e dispensa comentários sobre quanto o respeito à família e aos símbolos religiosos é importante para os brasileiros.

Um comunicado dado pelo banco patrocinador a seus clientes, ainda segundo O Globo, dá uma justa explicação para o caso “quando a arte não é capaz de gerar inclusão e reflexão positiva, perde seu propósito maior, que é elevar a condição humana”. A reação não é (ou não deveria ser) a uma arte que expressa e ajuda à reflexão sobre a condição homossexual, mas a uma ofensa legitimada como recurso para se chegar a essa expressão e essa reflexão.

Tal respeito aos símbolos religiosos transcende a uma autodefesa de cristãos ofendidos. Em outro episódio recente, também foi considerada inaceitável a tese de que “a liberdade de expressão” permitiria aos chargistas da publicação francesa Charlie Hebdo ridicularizar a figura de Maomé e os símbolos religiosos caros ao Islamismo (o que, evidentemente, não significa concordar com a chacina perpetrada em sua redação por extremistas muçulmanos).

Aqueles que, naquele momento, defendiam essa suposta “liberdade de expressão” não percebiam que acompanhavam a mentalidade xenofóbica em alta na Europa, que eles próprios, muitas vezes, combatiam: de uma maneira ou de outra, afirmavam a superioridade de certo modo de pensar que não precisaria respeitar a sensibilidade dos demais.

Até que ponto uma obra de arte se vale de símbolos religiosos com o intuito de ofender? Num contexto polarizado, ser agressivo garante seguidores. Extremistas encontram públicos ansiosos por autoafirmação numa sociedade onde a comunicação é fácil e as pessoas lutam contra a repressão, a massificação e a homogeneização. Assim, algumas obras acabam sendo feitas com um real intuito de ofender quem pensa diferente.

Outras vezes, contudo, o uso do símbolo religioso é, na verdade, a expressão de um desejo de afirmar que o bem, a beleza e a verdade expressas pelo símbolo também valem para o autor, apesar deste ser ou pensar diferente daqueles religiosos. Exemplo clássico é a “Crucificação branca”, de 1938. Nesse quadro, Marc Chagall – pintor de origem judaica – representou Cristo crucificado com o talit, xale usado pelos judeus na hora da prece. Com isso, queria mostrar que Jesus era um judeu martirizado por pregar o amor, e assim conclamar cristãos e judeus a se unirem num momento de forte perseguição antissemita.

Como podemos distinguir essas duas situações e ter uma atitude adequada para cada caso? A análise da obra pode nos dar algumas indicações, mas sempre será falha, pois não sabemos o que se passa na mente do autor. O melhor é procurar estender a mão ao diferente, procurar o diálogo. Se a intenção do outro for boa, a mão estendida encontrará outra mão estendida e o abraço fraterno, apesar das diferenças e do choque inicial. Mas, se a intenção for ofensiva, a mão estendida encontrará um punho cerrado.

Não se constrói uma sociedade melhor com punhos fechados. Se deixados impunes ou se incentivados, mais cedo ou mais tarde, irão recriar violências e injustiças semelhantes às que quiseram combater. O punho cerrado deve ser adequadamente contido – para isso existem a lei e o direito. Não se pode responder a ele com outro punho fechado, sob o risco de aumentar o mal.

 

Arte: Sergio Ricciuto Conte
 
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