Espiritualidade

A oração do jovem Salomão

Recentemente, a liturgia da palavra dominical propôs um trecho de um dos livros dos Reis. Naqueles versículos, Deus toma a iniciativa de manifestar-se a Salomão no início de seu reinado. A prece sincera emanada do coração do jovem mandatário de Israel diante de seu Senhor foi fundamental para ele se tornar o rei sábio. Apreciá-la é oportuno, dada a grave crise ética que acomete muitos dos representantes e governantes do povo brasileiro. 

Na época, o rei de Israel era visto como intermediário entre Deus e seu povo, e deveria ajudá-lo a edificar-se em fidelidade à Palavra de Deus. O rei não poderia usar o cargo conforme sua conveniência, mas pautar sua conduta e governo pelo cumprimento das leis mosaicas. A exigência do cargo parece ter lançado Salomão numa crise, considerando-se incapaz de governar, como afirma em seu lamento (I Rs 3,7). 

Certamente, o jovem Salomão não deixava transparecer sua fraqueza e dúvidas pessoais perante aqueles que o circundavam, nem diante do povo de Israel. Ele se dirigiu a Gabaon com grande aparato para ofertar no altar desse lugar de sacrifícios a Deus, “mil holocaustos”. Essa tarefa demandava grande número de pessoas tanto na preparação como na execução das oferendas. Diante de tamanha demonstração de poderio, como alguém poderia imaginar que internamente o jovem rei estava tomado de insegurança? 

As ofertas no altar de Gabaon poderiam levar segurança a muitas consciências pelo sacrifício em busca do auxílio de Deus. Mas, também, suscitavam abertura em corações, pois o próprio gesto de sacrificar traduzia súplica emanada da contingência humana. Esta última atitude requer desprendimento de aparatos geradores de autossuficiência e falsa segurança. É quando o Rei dos reis (Sl 24,10), capaz de sondar os corações em suas profundezas (I Sm 16,7b), se manifesta ao ser humano com a proposta de um diálogo vivo, a partir do motivo real da oferenda. No caso do rei Salomão, o temor que o acometia.

Deus, então, toma a iniciativa de manifestar-se a Salomão por essa fenda interior, dizendo-lhe: “Pede o que te devo dar” (I Rs 3,5). Quando o jovem rei de Israel percebeu-se diante de seu Senhor, tranquilizou-se e seu coração transbordou sincero e confiante. Confidenciou que o filho de Davi temia sucedê-lo, não obstante a gratidão por fazê-lo (I Rs 3, 6-7). 

Na sua interioridade, também encontrou luz acerca do fundamental para o exercício de sua missão em Israel, “Dá a teu servo um coração cheio de julgamento para governar teu povo e para discernir entre o bem e o mal” (I Rs 3,9). Nessa oração, Salomão externa preocupação com seu povo, o qual deseja governar bem. Então, pede a Deus uma sabedoria prática para promover a justiça com seus julgamentos. O jovem rei fez uma opção pela eticidade. 

A ética mantém viva a alteridade, a importância entre as relações numa sociedade, suscita a sensibilidade para com as interpelações do outro e do que lhe é devido e justo por sua dignidade. Privilegiar a ética tornou esse jovem recém-empossado e tíbio no grande rei Salomão, enaltecido pela história pela sabedoria de suas decisões. 

No momento atual, a ética é sistematicamente maltratada em instâncias de governo deste País, causando tantos dissabores às trajetórias pessoais, familiares e às estruturas sociais. Por isso, a classe política recebe dura avaliação da população em geral e vai tentar driblar tal rejeição com artimanhas. Que a opção do jovem rei israelita apontando para a ética, ajude no discernimento de propostas enganosas que tentarão se apresentar revestidas de um novo verniz, mas que, na realidade, significarão mais do mesmo.
 

Para pesquisar, digite abaixo e tecle enter.