Opinião

A opção beneditina no mundo anticristão

Arte: Sergio Ricciuto Conte

Durante seu pontificado, São João Paulo II identificava a “cultura da morte”, expressa sobretudo no aborto e na eutanásia, como um dos alvos prioritários de seu combate. Para seu sucessor, Bento XVI, o inimigo era o relativismo, expresso sobretudo na privatização dos julgamentos morais, na aceitação de modos de vida incompatíveis com os ensinamentos de Jesus no Ocidente, que um dia foi cristão, e na visão de que todas as religiões e modos de ver o mundo são igualmente válidos. Eram claramente tempos de combate. Apesar de algumas vitórias, a paisagem atual dos países modernos torna difícil discordar da conclusão do escritor católico norte-americano Rod Dreher: a guerra cultural acabou, e nós perdemos. 

Há muitos sinais claros. A eutanásia tornada lei em muitos países, assim como o aborto, por exemplo, ou a transformação do ato homossexual, um mal objetivo, na formulação recentíssima do Catecismo da Igreja Católica de 1993, não apenas em motivo de orgulho a ser celebrado nas ruas das grandes cidades do mundo todo, mas em tema de plataformas políticas articuladas e em grande medida vitoriosas, como a do “casamento” gay e a teoria de gênero. 

Dreher é autor de um livro recente que vem sendo muito discutido nos Estados Unidos: “The Benedict Option” (A Opção Beneditina, em tradução livre). A ideia vem de São Bento, o jovem aristocrata romano que, diante da decadência irresistível do Império, retirou-se para uma caverna para rezar e levar uma vida reclusa dedicada exclusivamente a Deus. Como efeito colateral, Bento salvou a civilização. Em torno dos mosteiros que seguiam a regra escrita por ele, reorganizou-se a vida social e econômica da Europa depois do colapso do Império Romano. Dos mosteiros beneditinos partiram os monges que converteram a Inglaterra, a Irlanda, a Alemanha, a Holanda e deram forma concreta à Cristandade. Nos mosteiros beneditinos, copiaram-se à exaustão as obras da Antiguidade cristã e pagã que chegaram até nós. 

Uma vez que o catolicismo, e o Cristianismo em geral, foi derrotado na esfera pública que antes moldava, restaria aos católicos retirar-se e viver, como se em comunidades fechadas, a vida apostólica que Jesus ensinou. A esperança é que, no afã de salvar suas almas, os católicos salvem, de novo, a civilização.

Para um grupo restrito de pessoas, esse movimento de retirada do mundo pode ser vivido, por exemplo, literalmente em pequenas comunidades de famílias. Para a maior parte, no entanto, isso é impossível. A opção beneditina, porém, longe de ser uma retirada de quem foge da batalha, pode ser vivida como a concentração no essencial do catolicismo. 

Dreher tem sido acusado de ser derrotista e de minar os esforços de quem se mantém na luta. Não é necessário que seja assim, no entanto. A questão é que as opções que o mundo ultrassecularizado e crescentemente anticristão vem adotando não têm futuro. A vitória da cultura da morte resulta apenas na morte. A opção beneditina é preservar, pois, a semente plantada por Jesus. Semente que um dia deu origem e por mais de dois milênios sustentou a Civilização Ocidental, que agora a recusa. Preservar essa semente em toda sua pureza e força. 

Para isso, é necessário que os católicos redescubram integralmente o tesouro que foi confiado à Igreja. Sacramento de união com Deus, a Igreja não é uma ONG a serviço do mundo e de seus objetivos, coisa que o Papa Francisco deixou claro em uma de suas primeiras declarações. O que a Igreja tem a oferecer ao mundo é a presença de Deus na Eucaristia. E é realizando os quatro fins da celebração eucarística – adoração e ação de graças a Deus; reparação e petição pelo mundo – que os cristãos podem e têm que “combater o bom combate”.
 

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