Editorial

Sociedade fraterna

O século XX viu propagar-se a ideia marxista de que os homens precisam não de caridade, mas de uma ordem social igualitária. Segundo essa ideologia, esconde-se, sob cada obra de caridade, a verdadeira intenção dos ricos: apaziguar suas consciências, fugir à responsabilidade de contribuir à instauração de uma sociedade justa e continuar, assim, arrancando dos pobres a riqueza que, produzida por estes, só àqueles deve pertencer.

Ora, é verdade, como diz Bento XVI na Encíclica Deus Caritas Est , que a “norma fundamental do Estado deve ser a prossecução da justiça e que a finalidade de uma justa ordem social é garantir a cada um, no respeito do princípio da subsidiariedade, a própria parte nos bens comuns”. Mas é verdade também que o exercício da política não pode ser resumido ao domínio de uma classe social sobre outra, como se a mera condição econômica fosse suficiente para definir a índole dos seus componentes, tornando-os melhores ou piores que os demais.

Para a Doutrina Social da Igreja, a radicalização marxista é tão errada quanto a radicalização liberal, que defende a construção de uma sociedade na qual tudo seria regulado por um “mercado” onipresente, capaz de, semelhante a uma invisível entidade mítica, definir o que serve ou não, o que é bom ou mau para os cidadãos. 

Contra esses dois radicalismos, os papas, de Leão XIII a Francisco, têm defendido não só a ideia da subsidiariedade — o princípio de que a intervenção do Estado deve ser orientada ao bem comum e ocorrer apenas em casos específicos, quando os próprios indivíduos se abstenham de trabalhar pelo bem de todos —, mas também a de que, para realizar justiça plena, a razão prática que rege o Estado deve ser, ainda segundo Bento XVI, “continuamente purificada”, pois sempre corremos o risco, confirmado pela História, da “cegueira ética”, um “perigo nunca totalmente eliminado”. 

Tal necessária purificação só pode nascer da fé, pois sem o encontro com o Deus vivo, em Jesus Cristo, quaisquer ordenamentos estatais, por mais justos que sejam, jamais atenderão ao serviço do amor, da caridade. 

Portanto, mais do que organizar um Estado justo, devemos construir uma sociedade fraterna, em que, reconhecendo o outro como irmão, sejamos efetivamente responsáveis por ele. Nenhum Estado, sozinho, conseguirá substituir a indiferença pela fraternidade. Nenhuma instância burocrática e nenhum mercado podem assegurar o imprescindível, aquilo de que todos nós temos necessidade: amorosa dedicação pessoal. 

Repetindo com Bento XVI, a política deve, realmente, organizar um Estado capaz de “reconhecer e apoiar as iniciativas que nascem das diversas forças sociais, conjugando a espontaneidade e a proximidade dos seres humanos carecidos de ajuda”. Mas este é apenas um dos passos na direção da sociedade fraterna — da sociedade em que devemos ver o outro como irmão: de forma solidária (reconhecendo-o como membro da comunidade); com respeito (considerando-o em sua plena liberdade); e com reciprocidade (tratando-o como um igual). Ou seja, uma sociedade verdadeiramente regida por Cristo, em que todos são responsáveis por todos.
 

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