Opinião

Sexualidade humana e o jogo do amor

Recentemente publiquei um artigo no jornal Folha de S.Paulo (2/11/17) a propósito das exposições do Santander, MASP e MAM, denominado “Sexualidade Humana em Leilão”, percebendo, por meio do retorno, como não se pode subestimar a natureza humana em seus anseios de amor, beleza e verdade.

Quando me solicitaram um artigo para este jornal para tratar do tema, pensei que aqui poderia apontar ainda mais alto, “explicando a parábola” para aqueles que têm ouvidos para ouvir e efetivamente o desejam. Passamos à reflexão.

Uma sociedade que começa a apresentar uma exaltação do corpo, que, paradoxalmente, despreza, sinaliza que estamos perdendo de vista o seu verdadeiro papel no jogo do amor. Nesse sentido, podemos comparar esse desafio de forma análoga, como uma sucessão de etapas que vão evoluindo progressivamente e que devem ser respeitadas para que se ganhe a partida decisiva.

De fato, devido à estruturação antropológica do ser humano, o primeiro movimento rumo ao amor toca a sensibilidade, por meio de uma atração física, que faz a diferença. Não é, porém, quimicamente pura, no sentido de ser puramente sexual - ainda que a hiperestimulação pode neutralizá-la, tornando-a indiferente -, mas uma reação que aponta para alguém que se distingue dos demais e pode ser único para nós.   

Porém, parar nesse estágio não seria propriamente humano. É preciso intelectualizar o que é mais do que instinto, personalizando a atração para atingir a pessoa, já que um conhecimento sensorial precipitado obstaculiza o acesso ao coração. O diálogo humano é o caminho. Sexualização e mutismo é próprio de animais. 

A partir do conhecimento, a escolha, para que o romance progrida. Porém, como esta não é definitiva, as manifestações de amor devem ser proporcionais: de carinho, não de posse.  Os limites permitem aprender a amar a pessoa como tal, e não seu corpo por autointeresse. Amadurecida a decisão, de forma livre e responsável, já é possível comprometer-se. Por essa razão, apossar-se de um corpo antes disso é dissociá-lo da pessoa. Se falta maturidade para assumir as consequências de um ato em sua globalidade, não há maturidade para o ato. Nesse sentido, se há incapacidade para conviver com defeitos, dividir contas, educar filhos etc., também não há preparação suficiente para as relações, e estas se reduzirão a uma mentira existencial mútua, acabando por separar os que supostamente se amavam.

Assumir um corpo é poder assumir uma pessoa em toda sua riqueza e ser-lhe fiel. Efetivamente, no ser humano, entregar um corpo é entregar uma alma. O amor entre homem e mulher não é extensivo, mas exclusivo e cresce verticalmente, não horizontalmente, no sentido de dilatar a capacidade humana de amar incondicionalmente, perpetuando-se nos filhos.

Um mundo hipersexualizado, que antecipa desordenadamente as etapas, desestrutura o jogo e as vitórias que se poderiam celebrar individual e socialmente, frustrando profundamente as expectativas de amar e ser amado de forma única e o encontro do verdadeiro parceiro, ofuscado nas múltiplas experiências superficiais. 

A banalização do corpo é somente um sinal do desrespeito às regras do jogo, enraizada em uma crise de amor, que, por razões principalmente econômicas, vai proclamando como natural o infra-humano, com o perigo de nos acostumarmos a isso. Porém, a grande questão é o custo moral e afetivo que acarreta. Como afirma o antropológo Ricardo Yepes: “É uma crise que as próximas gerações terão que resolver, e o farão melhor que nós, porque terão sofrido pessoalmente as consequências. Porém, o ideal seria que, desde já, lhes poupássemos essa terrível experiência”. 

Nesse sentido, sou mais otimista, acreditando que é possível desde já fomentar uma nova cultura e virar o jogo! 

 

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