Liturgia e Vida

‘Podeis beber o cálice que Eu vou beber?’

Os irmãos João e Tiago, caracterizados no Evangelho como “filhos do trovão” (Mc 3,17), possuíam personalidade irascível e tendência ao protagonismo. Foi João quem, três domingos atrás, proibira um homem de expulsar demônios pois “não os seguia” (cf. Mc 9,38). Em outra ocasião, os dois sugeriram ao Senhor que enviasse “fogo dos céus” para “consumir” alguns samaritanos que não os haviam recebido (cf. Lc 9,54).

Pois bem: neste domingo, os valentes irmãos se aproximam de Jesus como crianças encabuladas: “queremos que faças por nós o que vamos pedir…” (Mc 10,35). O Senhor, conhecendo a sua intenção, pede que digam com coragem o que querem. E eles fazem um pedido audacioso: “sentar um à Tua direita e outro à Tua esquerda, quando estiveres na Tua glória!” (10,37). São Mateus expõe esse fato de modo ainda mais caricato, dizendo que, na verdade, quem fez o pedido ao Mestre foi a mãe dos Apóstolos (cf. Mt 20,21)!

O Senhor lhes respondeu como uma afirmação incisiva: “Vós não sabeis o que pedis” (Mc 10,38). Afinal, o próprio Jesus veio ao mundo para ser o Servo sofredor destinado a salvar-nos “carregando sobre si as nossas culpas” (cf. Is 53,11). Antes de subir para a glória, Ele deveria ter uma “vida de sofrimento” (Is 53,10); cumpriria a vontade do Pai sendo “macerado com sofrimentos e oferecendo a vida em expiação” (Is 53,10).

Ao pedir para se sentar em lugar especial, “à direita e à esquerda”, os filhos de Zebedeu não se davam conta de que “o servo não é maior que o seu Senhor; se Me perseguiram, também vos perseguirão” (Jo 15,20). Querendo ser “os primeiros”, ainda não compreendiam que “é necessário entrarmos no Reino dos Céus por meio de muitas tribulações” (At 14,32), pois “o Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida como resgate para muitos” (Mc 10,45).

Por isso, Jesus lhes pergunta: “Podeis beber o cálice que Eu vou beber? Podeis ser batizados com o batismo com que vou ser batizado?” (Mc 10,38); isto é, “podeis receber o batismo de sangue?”, “podeis beber o cálice amargo da paixão?”… Eles respondem sem hesitar: “podemos!”. 

De fato, São Tiago foi o primeiro dentre os Apóstolos a sofrer o martírio, morto ao fio da espada (At 12,2). E São João, embora seja o único Apóstolo cujo martírio não é atestado pela Tradição, foi igualmente o único entre os Doze a permanecer com Jesus durante todos os passos da Paixão, até o momento da Cruz. Bebeu o cálice e passou pelo “Batismo” ao lado do Senhor e da Virgem Maria.

Se os dois irmãos, no Céu, sentam- -se à direita e à esquerda de Jesus, não sabemos! Afinal, segundo Jesus, isso “é para aqueles a quem foi reservado” (Mc 10,40)… Porém, tendo merecido receber a Virgem Maria como Mãe aos pés da Cruz (Jo 19,27), deduz-se que o Discípulo amado, embora fosse às vezes irado e intempestivo, possui um lugar especial no Coração do Senhor...
 

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