Editorial

Perdão, reconciliação e justiça

Treze de maio de 1981: como de costume, de seu papamóvel, o Sumo Pontífice saúda os fiéis na Praça de São Paulo. De repente, São João Paulo II parece perder o equilíbrio. Segundos depois, cai ferido. Atingido no abdômen por três tiros, o Papa é levado para a UTI e submetido a uma cirurgia de mais de cinco horas. Apenas 22 dias depois, deixa o hospital. 

O autor do disparo é identificado e preso: o turco Mehmet Ali Agca, que, depois, foi condenado a 19 anos de prisão. Em dezembro de 1983, Agca é surpreendido na prisão com a visita de São João Paulo II. O diálogo reservado entre os dois dura 20 minutos e sela o perdão do Papa àquele que tentou matá-lo. 

“Disse ao meu secretário, Dom Stanislaw, ainda no carro, que tinha perdoado o autor do atentado. Sabia e sentia como era gravíssima a minha situação, sabia que tinha sido ferido na barriga, doía muito... Praticamente já estava do outro lado... mas senti que me iria salvar...”, relatou o Pontífice, morto em 2005, no livro “Memória e Identidade”.

Ao perdoar seu ofensor, São João Paulo II despertou a atenção internacional e mostrou que há caminhos para a reconciliação entre as pessoas, mesmo diante das situações mais conflituosas, como as que a edição desta semana apresenta na reportagem “As marcas das balas”, sobre a morte de policiais e civis devido à violência urbana.

Criadas no fim dos anos 1990, na Colômbia, pelo Padre Leonel Narváez, as Escolas de Perdão e Reconciliação (Espere) se apresentam como um dos caminhos para a resolução desse tipo de situação conflituosa por meio da justiça restaurativa, pela qual, voluntariamente e após etapas preparatórias, o ofensor e o ofendido (ou uma pessoa próxima a ele, caso tenha morrido ou esteja de algum modo impossibilitado) dialogam sobre o que aconteceu, a fim de que a vítima possa expressar todo o sofrimento e quem praticou o mal reconheça a dimensão do dano que gerou, e, assim, se arrependa para, efetivamente, mudar de comportamento.

No Brasil, a justiça restaurativa é aplicada por voluntários da Pastoral Carcerária em algumas unidades prisionais. Além disso, o Poder Judiciário tem realizado iniciativas desse modelo de justiça não vinculadas às Espere. Em Ponta Grossa (PR), por exemplo, a justiça restaurativa vem sendo adotada em 
alguns casos de violência doméstica. O resultado é que muitos conflitos envolvendo questões como a guarda dos filhos e pensão alimentícia, que antes seriam transformados em ações judiciais, são resolvidos pelo diálogo. 

A reconciliação pelas vias da justiça restaurativa não acontece como “em um passe de mágica”. Afinal, para qualquer pessoa, perdoar a quem lhe fez um mal, especialmente se esse dano for irreversível – como a morte de um ente querido – exige humildade para reconhecer que o ser humano é falível e especial disposição para aceitar o mandamento de Cristo, descrito em Mateus 18, 21-22: “Senhor, até quantas vezes pecará meu irmão contra mim e eu lhe perdoarei? Até sete?”, pergunta Pedro. “Não te digo até sete; mas, até setenta vezes sete”, responde Jesus. 

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