Comportamento

Pense antes de ‘twittar’

Não é a primeira vez que falamos das mudanças comportamentais na sociedade moderna em função da velocidade dos meios de comunicação atrelada à facilidade dos celulares. O que observamos é que cada vez mais as pessoas criam uma necessidade de contar para todo mundo o que aconteceu, para onde vão, o que almoçaram, com quem viajaram, e até intimidades, o que seria recomendável de serem preservadas para poucos.

Contudo, nos últimos anos, isso tem assumido uma característica de epidemia mundial. Todos estão “contaminados”. Desde o adolescente que está com uma nova namorada, até o diretor da empresa que faz declarações de âmbito profissional, chegamos aos chefes de Estados que se manifestam com frequência sobre o que lhes vem à cabeça sobre assuntos de dimensões internacionais. Tudo escrito em pouquíssimas linhas, cujas interpretações podem ser das mais variadas, visto que se diz pouco sobre o que se precisaria ter uma contextualização muito maior.

Percebe-se, naqueles que tentam acompanhar todas essas notícias, que em um só dia acumulam tamanha quantidade de informações, que, como peças de quebra-cabeças de figuras diferentes, misturam-se e nada mais se faz compreensível. A notícia da manhã desmentida de tarde; as diversas interpretações, sem contar o “lixo” acumulado de fatos que não fazem o menor sentido para as suas vidas, individualmente. E muitos acumulam esse lixo de modo interminável! Outros jogam no lixo o que seria importante. O resultado é, como conhecido, que as pessoas estão passando horas ligadas, sem tempo para parar e pensar. Sem esquecer as tragédias registradas em câmeras, e daqueles que com seus celulares sofrem acidentes graves, com risco à própria vida, vamos nos ater às consequências de um mundo “twittado”, que não pensa.

Na Antiga Grécia, viveu, no século IV A.C., um dos homens considerados mais sábios da humanidade: o filósofo Sócrates. Conta-se que certa vez um discípulo chegou apressado e ansioso para lhe contar um fato; ao que ele, de imediato, pediu que parasse e respondesse a três perguntas. Primeira: “O que vai me dizer é verdade?” O jovem disse que não tinha certeza, pois ouvira de outros. Segunda: “O que me contará refere-se a algo bom que ocorreu?” O jovem afirmou que não. Terceira: “Eu poderei fazer alguma coisa que possa melhorar isto?” O jovem, agora pensativo, respondeu que acreditava que não. Diante disso, o velho filósofo falou com serenidade: “Então, não preciso saber”

Acredito que se levássemos em consideração as três perguntas de Sócrates, não teríamos a enxurrada de mensagens que ocupam um tempo enorme na vida das pessoas hoje sem o menor significado. Muitas são mentirosas. Outras tantas não falam de coisas boas. E quase a totalidade de quem as escuta não poderá fazer praticamente nada para ajudar. A consequência é tornar o mundo um palco de desconfianças, de pessimismo e de sensação de impotência. Nada disso nos leva a viver a esperança para buscar a paz.

Não se nega os grandes avanços da tecnologia que favoreceram encontros virtuais de pessoas que estão a milhares de quilômetros. As mensagens hoje salvam vidas, com alertas em velocidade, o que outrora não existia. Por esses meios de comunicação, saudamos amigos onde as cartas não chegariam; tomamos conhecimentos de fatos a tempo de poder corrigir atitudes, o que seria impossível sem esses instrumentos. Enfim, o instrumento é excelente, mas a maneira de comportar-se diante de suas potencialidades está, muitas vezes, fortemente deturpada pelas fraquezas humanas.

Seria conveniente que a palavra intimidade retornasse ao nosso cotidiano; que transparência não significasse que todos tenham de ter acesso a tudo, antes mesmo que se conclua uma operação; que viver exposto a tudo constantemente não tornasse alguém mais honesto; que assuntos de âmbito familiar não pudessem ter o mesmo tratamento de temas internacionais; que falar sem pensar pudesse levar a um prejuízo sem reparos futuros. Parece que esquecemos um principio anatômico: temos dois olhos para ver, dois ouvidos para ouvir e uma só boca para falar. O problema está que acrescentaram à boca duas mãos para “twittar”. E agora?

Dr. Valdir Reginato é médico de família. E-mail: vreginato@uol.com.br
 

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