Fé e Cidadania

Papa beija os pés dos inimigos sul-sudaneses: não se considera rei nem imperador, mas um pobre Cristo

Quem não viu na internet o encontro do Papa com os chefes sul-sudaneses inimigos? É um fato dos mais significativos dos tempos atuais e precisa ser visto. Lembro-me de ter assistido recentemente a um documentário sobre o Concílio Vaticano II e ter visto São João XXIII ser elevado e carregado por quatro pessoas, sentado em um trono como um grande rei, como era costume antes do Concílio. Por isso, a imagem do Papa que se inclina e beija os pés de cada um dos chefes sul-sudaneses representa uma diferença extraordinária. De grande rei e imperador, cheio de glória e majestade, sendo durante séculos o mais importante da humanidade, o Papa agora parece um pobre Cristo que se humilha diante de todos.

Quem não viu na internet o encontro do Papa com os chefes sul-sudaneses inimigos? É um fato dos mais significativos dos tempos atuais e precisa ser visto. Lembro-me de ter assistido recentemente a um documentário sobre o Concílio Vaticano II e ter visto São João XXIII ser elevado e carregado por quatro pessoas, sentado em um trono como um grande rei, como era costume antes do Concílio. Por isso, a imagem do Papa que se inclina e beija os pés de cada um dos chefes sul-sudaneses representa uma diferença extraordinária. De grande rei e imperador, cheio de glória e majestade, sendo durante séculos o mais importante da humanidade, o Papa agora parece um pobre Cristo que se humilha diante de todos.

Esses chefes sul-sudaneses foram responsáveis por uma guerra civil que durou décadas. Estão sob a responsabilidade deles massacres e episódios de crueldade dos mais terríveis na história da humanidade. Para eles, o inimigo é lixo, a ser tratado como coisa de descarte, sem qualquer dignidade humana. Uma guerra em que valia tudo, limpeza étnica e estupro coletivo. Destruíam tudo do inimigo, inclusive as lavouras, para que morressem de fome.

“Estou entre vós como aquele que serve” (Lc 22, 27), como um pobre homem, vindo da Galileia, da periferia das terras de Israel, e não da linhagem sacerdotal. Esse modo de agir do Papa faz ecoar, ainda, as palavras de São Paulo: “Não conheço outra coisa que Cristo, e Cristo crucificado” (1Cor 2,2).

Precisamos refletir e entender bem o que também é conhecido como “graça de estado”. Num mundo que exalta o poder, a riqueza e o orgulho, em que o homem é o lobo do homem, em que o ser humano é definido como mero objeto de consumo (agora o Marketing está estudando a Psicologia humana para aumentar o poder de venda, por meio de uma maior capacidade de “persuasão”), o modo de agir do Papa é a única alternativa real. Um modo de agir realmente diferente da lógica que determina a cultura moderna.

Esse modo de agir, enfim, tem muito a dizer a nós, brasileiros, também. A sociedade brasileira, desde sua fundação, tem uma cultura fortemente escravocrata. Os estudiosos dizem que os negros chegaram à classe média há pouco mais de uma década apenas. Por isso, a nossa desigualdade é das mais altas do mundo. Como consequência, o Brasil tem o maior sistema prisional do mundo. E as iniciativas da sociedade para ajudar os mais pobres são muito menores do que em outros países. O Papa, então, está dizendo a nós também: sejamos humildes, busquemos a união e a ajuda mútua, não roubemos nem matemos por dinheiro. Que o poder, o orgulho e a riqueza pessoal não sejam o que buscamos acima de tudo.

Ana Lydia Sawaya é professora da Unifesp, doutora em Nutrição na Universidade de Cambridge. Foi pesquisadora visitante do MIT e é conselheira do Núcleo Fé e Cultura da PUC-SP

 

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