Comportamento

Onde estão os avós?

Recentemente, fui convidado para dar uma palestra a uma turma da terceira idade. Recordo-me que há vários anos promovo esses encontros, desde quando eu, pessoalmente, não me encontrava na faixa etária. Hoje, além de já fazer parte do grupo, noto que os ouvintes estão cada vez mais jovens! “O tempo nos foge entre os dedos”, dizia meu pai.

Lá estavam mais de 70 “idosos”. A maioria, enquanto aguardava, mexia nos seus celulares, enviava mensagens, pesquisava sites ou interagia no Facebook, trocava fotos e fatos. Como não poderia ser diferente, um grupo predominantemente feminino. Todas devidamente arrumadas e impecáveis na maquiagem discreta, que renovava a aparência em pelo menos 20 anos! Sorriso no rosto, alegria na alma, todas concordaram que estavam envolvidas em cursos de línguas, atividades físicas na academia, yoga, grupos de medita- ção ou de oração, além de terem programação de viagens futuras

Confesso que, com a experiência clínica com pacientes, fiquei até sem jeito para mencionar àquele grupo que com os anos algumas limitações podem, e de fato, ocorrem. Na verdade, precisei explicar para um senhor, em pleno vigor físico aparente, o que seria apresentar uma “colaboração prejudicada” nesta idade. Afinal, os anos vão sempre para frente, e vamos precisando de alguém que nos ajude ou circunstâncias que agora já não podem contar conosco como antes. O clima era de muito entusiasmo e parecia que estávamos mais num grupo de jovens em vésperas de jornada de trabalho para uma carreira profissional do que de vovós. Trabalho, que aliás, é um enorme bem em qualquer idade, quando bem dimensionadas as condi- ções e disposições de cada um.

Interiormente, comecei a lembrar de minha avó. Setenta anos, rosto enrugado, avental sempre na cintura que acompanhava suas mãos hábeis na arte da cozinha. Dedicação esmerada no lar. Contadora de histórias sem igual. Quando a visitava fora de hora, sempre tinha algo para comer. Nada de prato pronto da panela. Meia toalha posta na mesa, travessas para que eu me servisse como e quanto quisesse, e não faltava o ovo frito, que sabia que eu gostava muito. Quanto amor sentia irradiado pela atenção de minha avó. Não era necessário dizer, era palpável o seu amor. Quase 50 anos passados... E guardo o carinho de minha avó comigo.

É evidente que precisamos acordar para o século XXI. Os tempos são outros. Muitas pessoas chegam aos 70 com energia de 40, e ideias de 20. A cozinha virou “gourmet” para quem gosta desse artesanato culinário. As atividades nos chamam em muitos campos e os limites da idade não parecem mais ser empecilho enquanto houver força e vigor. E isso é muito importante.

No entanto, às vezes, sinto falta em muitos avós deste espírito da experi- ência dos anos, no qual a serenidade associa-se à sabedoria da paciência, dedicação e compreensão para com os demais. E nesses demais chamaria a atenção especial para os netos. Muitos avós atualmente funcionam como “Uber” para seus filhos. Eles discam e verificam quem está mais próximo e disponível para a corrida: levar na escola, buscar no inglês ou na natação, ou ficar em casa enquanto precisam dar uma saidinha (três horas!). Pode-se chamar o vovô “Uber” para arrumar a torneira vazando, receber o pessoal que vai instalar o ar-condicionado ou pagar a prestação que atrasou e agora só pode ser na agência (se possível, emprestando o dinheiro).

Ser avô e avó é quase um emprego hoje em dia. E quando a atividade implica os netos, ela se torna um prazer irresistível, o que não exclui ser um pouco cansativo (algumas vezes). Mas, o elo misterioso dos avós com os pequenos netos faz parte desta maravilhosa humanidade, na qual o amor não pode ser substituído totalmente pelas aulas de pintura em cerâmica, exercícios de academia ou visitas e viagens intermináveis a exposições. Isso deve fazer parte da avó (ô) do sé- culo XXI com plena autonomia; mas, não se esqueçam que contar histórias ou servir o ovo frito ajuda em muito a viver uma infância saudável e feliz para a construção de uma vida inteira.

 

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