Opinião

Da cidade de Ur à Jerusalém do alto

O entendimento da passagem do povo judeu vai se manifestando quando “o Senhor conduziu Abrão para fora [...]” (Gn 15,5) e “[...] fez aliança com Abrão, dizendo: ‘Aos teus descendentes darei esta terra desde o rio do Egito até o grande rio, o Eufrates’” (Gn 15,18). A Abrão, o Senhor prometeu, na Aliança, descendência e terra. A misericórdia de Deus se faz presente ao povo judeu. Há aqui um olhar e perspectiva horizontais: “[...] o Senhor que te fez sair de Ur dos caldeus para a possessão desta terra” (Gn 15,7). O verbo conduzir está indicando uma terra melhor como promessa do Senhor a Abrão e sua descendência. Conduzido pelo Senhor, Abrão foi agraciado com a concessão do espaço geográfico. Saiu de Ur para a terra que o Senhor o conduziu. Compreensão horizontal da bondade de Deus.

A Páscoa cristã vai se revelando quando Cristo Jesus convoca os apóstolos Pedro, Tiago e João a subir com Ele à montanha para rezar (cf. Lc 9,28). A geografia é a Palestina no tempo do Salvador, mas subir à montanha significa ir para o alto e ter uma visão do Altíssimo. Passa da compreensão da horizontalidade geográfica, de Ur à Terra Prometida, para a dimensão da verticalidade, de qualquer lugar da Terra para a Jerusalém do alto, os céus. Cristo Jesus apontou a Ressurreição na montanha sagrada do Tabor. Nas alturas, aos discípulos, foi possível ver Moisés e Elias, revestidos de glória. Juntamente com a glorificação, conversavam sobre a morte que Jesus Cristo sofreria em Jerusalém (cf. Lc 9,31). Em Jerusalém, o Redentor sofreu na carne a Paixão e a Morte de cruz. Assim, para chegar à vida eterna, precisamos passar pela vida presente. Para entrarmos em plena posse na Ressurreição, necessitamos passar pela morte.

O Apóstolo São Paulo adverte os filipenses que alguns estão se comportando como inimigos da cruz de Cristo (cf. Fl 3,18). Negar a cruz é repudiar a Ressurreição. O Salvador e Redentor sofreu no corpo a flagelação e morreu na cruz para nos salvar. Adverte o Apóstolo que “somos cidadãos do céu” (Fl 3,20). Aponta os céus, mas não nos retira da Terra. Orienta a verticalidade do nosso porvir, mas não despreza a horizontalidade do nosso viver. Afirma que, vivendo o Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo e crendo na Boa- -Nova “[...] Ele transformará o nosso corpo humilhado e o tornará semelhante ao seu corpo glorioso” (Fl 3, 20-21).

Fazendo o percurso da páscoa judaica à Páscoa cristã, percebemos que o mesmo Senhor que convocou e enviou Abrão de Ur, na Caldeia, à Terra Prometida, Israel, é o mesmo Senhor, que, em Jesus Cristo, nos indicou que da Terra, pela Morte e Ressurreição, chegaremos aos céus. Somos convocados, do lugar onde estamos, a viver sempre a dimensão terrena, tendo, porém, os olhos na eternidade. Insiste o Apóstolo Paulo que “[...] somos cidadãos do céu” (Fl 3,20). Com os pés na terra e “[...] firmes no Senhor” (Fl 4,1), passaremos de Ur à Jerusalém de Abrão, e da Jerusalém da Morte e Ressurreição de Cristo Jesus à Jerusalém do alto.

Padre José Ulisses Leva é professor de História Eclesiástica na PUC-SP
 

LEIA TAMBÉM: A vitória de Cristo

Para pesquisar, digite abaixo e tecle enter.