Opinião

Cristo, Rei de Misericórdia

Nosso Senhor Jesus Cristo, Rei do Universo, solenidade que encerra o ciclo anual da liturgia, oferece ao mesmo tempo a base necessária para a compreensão e o desenvolvimento de um novo humanismo (Concílio Vaticano II, Gaudium et Spes, GS 55), consubstanciado na promoção da cultura da misericórdia, já que se deve começar sempre pela liturgia, de acordo com o “primado de Deus”. Portanto, ao tratar do primeiro mandamento e do dever de prestar a Deus um culto autêntico, ensina o Catecismo da Igreja Católica: “Os cristãos são chamados a ser a luz do mundo. A Igreja manifesta assim a realeza de Cristo sobre toda a criação, e em particular sobre as sociedades humanas” (nº 2105). Mas houve um progresso quanto ao significado: não se trata mais da submissão a uma tríplice potestade nos planos espiritual, temporal e social, como desejou o Papa Pio XI com a Encíclica Quas Primas, e sim da propagação dos valores do Reino mediante um humanismo integral e solidário até a civilização do amor, como exortam o Concílio e a Doutrina Social da Igreja. 
Para bem compreender, convém recorrer a um clássico, Aimé G. Martmort, “A Igreja em Oração” (vol. 4, p. 106, Editora Vozes: Petrópolis, 1992): “A festa de Cristo-Rei foi instituída em 1925 pelo Papa Pio XI [...] A Igreja não esperou esta data para celebrar o soberano senhorio de Cristo: a Epifania, Páscoa e Ascensão são festas de Cristo-Rei. [...], Diante do avanço do ateísmo e da secularização da sociedade, o Papa queria afirmar a soberana autoridade de Cristo sobre os homens e as instituições. Alguns textos do Ofício deixam transparecer um último sonho de cristandade. [...], Em 1970 quis-se colocar mais em destaque o caráter cósmico e escatológico da realeza de Cristo. Tornou-se, então, a festa de Cristo, ‘Rei do Universo’ e foi fixada para o último domingo per annum. Assim, o tempo do Advento, que vem em seguida, ganha a perspectiva da vinda do Senhor na glória”.
Quanto à eucologia do Missal Romano, com a mudança na temática da festa, foi necessário transformar a segunda parte da oração coleta, a qual suplicava a Deus que as famílias dos povos “obedecessem à doce autoridade” do Reino de Cristo, e agora pede que todas as criaturas libertas da escravidão e servindo a Deus em sua majestade O glorifiquem eternamente. “O prefácio, composto em 1925, era muito belo e não sofreu nenhuma modificação” (op. cit., p. 107); por isso mesmo, foi tomado pelo Vaticano II para a composição de uma de suas mais belas páginas, segundo a qual, depois de propagarmos na terra os valores do Reino, “nós os encontraremos, limpos contudo de toda impureza, iluminados e transfigurados, quando Cristo entregar ao Pai o reino eterno e universal: ‘reino de verdade e de vida, reino de santidade e de graça, reino de justiça, de amor e de paz’” (GS 39).
Nessa festa do Senhor, resplandecem de modo especial a Beleza e a Misericórdia que compõem essencialmente a liturgia cósmica, em cujo centro está Cristo, Rei do Universo. Este dado cristocêntrico faz ver que a construção da cultura da misericórdia é o campo próprio da tensão e expectativa escatológica. Nesse sentido, na reforma litúrgica, foram acrescentadas duas leituras do Evangelho: para o ano A, de Mateus 25,31-46, que apresenta o Juízo final, quando o julgamento será sobre as obras de misericórdia; para o ano C, de Lucas 23,35-43, sobre o “Reinado de Cristo” e a misericórdia para com o “bom ladrão”. Ademais, por força de sua situação escatológica, a “cultura é o lugar em que o homem e mundo são chamados a encontrar-se na glória de Deus” (Comissão Teológica Internacional, Fé e Inculturação, II, 30, 1988).  
 

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