Espiritualidade

CF 2019 e a realidade das políticas públicas

Na Quarta-feira de Cinzas, a Igreja inicia um período de preparação para celebrar a Páscoa de Jesus Cristo, mistério central da salvação do gênero humano. Nos 40 dias que se seguirão, os discípulos do Mestre de Nazaré serão chamados pela liturgia a uma conversão sincera, para se aproximarem ainda mais da maneira de viver de Jesus.

O chamado à conversão implica deixar o que é incompatível com o Evangelho do Filho de Deus no pensar, nas atitudes e nas ações, pois os filhos do tempo presente podem assimilar elementos contrários à sua voz. É o que gera desequilíbrios nas relações com Deus e com o próximo, assim como nas relações em âmbito social e no trato com a totalidade da criação, como assinala o Papa Francisco em sua “Mensagem de Quaresma” para este ano.

A Igreja no Brasil, desde a década de 1960, realiza a Campanha da Fraternidade na Quaresma. A cada ano, propõe um tema necessitado de mudança em prol da vida do próprio povo brasileiro, em particular, especialmente aquela parte formada pelos pobres. Estes irmãos, além de não usufruírem dos direitos assegurados pela Constituição da República Federativa do Brasil, não são devidamente ouvidos.

O tema deste ano: “Fraternidade e Políticas Públicas” é oportuno, pois num contexto de crise financeira e fiscal profunda do Estado, há a tendência nas instâncias governamentais de promover cortes em verbas para o fomento de políticas que efetivem os direitos para estes cidadãos mais afetados pelas consequências da crise econômica do País.

Essa tendência é notória inclusive em cidades com grande arrecadação. A título de exemplo, recentemente a municipalidade de São Paulo baixou decreto com teor ameaçador às entidades assistenciais e de saúde com ela conveniadas, no qual propõe avaliação dos serviços, exclusivamente por critérios financeiros e de resultados. É salutar o fato de uma administração pública perseguir a eficiência, que é um anseio da sociedade. No entanto, é preciso averiguar se neste caso o município não visa somente efetuar cortes de verbas, os quais serão ressentidos na carne dos mais necessitados da população.

O lema: “Serás libertado pelo direito e pela justiça” (Is 1,27) lança luz a questões como a acenada acima. Na Sagrada Escritura, a palavra direito (mishpat) é utilizada para expressar o ordenamento objetivo da sociedade. A palavra justiça (sedáqâ) indica a obrigação moral do ponto de vista subjetivo do direito. Desse modo, essa concepção bíblica de justiça motiva para a vivência do direito e refina a consciência e a sensibilidade do ser humano para ele ir além da norma estabelecida para oferecer atenção e auxílio a grupos dentre os mais pobres da sociedade do antigo Israel, os órfãos, as viúvas e os estrangeiros (Cf. CNBB. Texto Base CF 2019, pp. 43).

O sentimento de justiça não se contenta com argumentos técnicos/pragmáticos, porque faz emergir perguntas como: onde está o teu irmão? Em que condições vive o teu irmão? Assim sendo, no centro das discussões políticas, estará o ser humano, suas urgências e o seu clamor pela efetivação de direitos.

Que a caminhada quaresmal dos cristãos com as armas da oração, do jejum e da esmola, que nos aproximam de Deus e do seu projeto e dos irmãos em suas debilidades espirituais e materiais, contribua para que a justiça se efetive na sociedade brasileira na forma de melhores políticas públicas. O convite à conversão do Deus misericordioso liberta para uma vida pautada na justiça e na paz.

 

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