Espiritualidade

Bendita hospitalidade

A hospitalidade é uma atitude de vida que marca profundamente nossa relação com nosso semelhante. É encontro gratuito que revela abertura, respeito e disponibilidade entre pessoas que se acolhem. E como faz bem ter alguém que nos dá atenção, escuta, acolhe, compartilha experiências e sentimentos. No entanto, o chão em que pisamos se mostra muito hostil, e nele percebemos atitudes agressivas, preconceituosas e intolerantes. É preciso fazer a dura travessia da hostilidade para a hospitalidade. 

Ao visitar as Sagradas Escrituras, vem à memória o texto de Hebreus 13,2 que diz: “Não se esqueçam da hospitalidade, porque graças a ela alguns, sem saber, acolheram anjos”. Exemplo de hospitalidade nos oferece Abraão, que, sentado à entrada da tenda, vê três homens se aproximando, corre-lhes ao encontro, inclina-se diante deles e quase implora que não passem adiante sem descansar e refazer suas forças. Prometeu pouca coisa: um pouco de água e um pedaço de pão, mas prepara um grande banquete. No maior calor do dia, todos da casa se põem em movimento para proporcionar a melhor acolhida aos visitantes. Ainda assim, enquanto os hóspedes se alimentam, Abraão permanece de pé, em atitude de disponibilidade e serviço. Age dessa forma porque está convencido de que acolher as pessoas é acolher o próprio Deus. E a visita era mesmo divina. Poucas são as palavras, mas o essencial para alimentar a esperança de um casal já idoso. Bendita a hospitalidade que gera vida.

Modelo de hospitalidade encontramos também no ambiente familiar entre as irmãs Marta e Maria. O extraordinário já não acontece somente no alto monte, no templo, mas também no interior de uma casa, na labuta entre pratos e talheres. As mulheres que não participavam oficialmente no culto e nem podiam se dedicar ao estudo da lei têm o Senhor que vai encontrá-las em sua casa. Maria senta aos pés de Jesus para ouvi-lo, enquanto Marta se agita para preparar tudo o que possa ser agradável ao amigo que está visitando a família. Jesus chama-lhe a atenção por estar muito agitada fazendo muitas coisas e elogia sua irmã dizendo que “Maria escolheu a melhor parte”. 

A hospitalidade nos traços de Marta reflete maior preocupação em servir, oferecer coisas, fazer com que o hóspede se sinta bem acolhido, confortável. Isso é bom, mas não o suficiente. Ao hóspede é necessário oferecer alimentos, companhia, mas também deixar ser alimentado por aquilo que ele traz, pois se trata de um encontro. Marta ainda precisava compreender que Jesus tinha vindo à sua casa mais para alimentá-la do que ser alimentado por ela.   

A hospitalidade com traços de Maria tem marcas de quem está interessado naquilo que a visita tem a ensinar. Quis ela sentar-se aos pés do Senhor para escutar sua Palavra. Isso é muito bom, mas não o suficiente, pois o próprio Senhor ensinou que são “felizes os que ouvem a Palavra de Deus e a observam” (Lc 11,28). Contemplação e ação precisam andar juntas. Assim, quem escuta a Palavra e mantém os olhos fixos em Jesus tem como purificar suas ações, executar com calma suas atividades e fazer bem todas as coisas. 

Nossas comunidades, inspiradas nestes relatos bíblicos, são motivadas a se tornar cada vez mais hospitaleiras, “lugar do olhar, do abraço e do afeto: olhar o outro e ver nele um irmão, imagem de Deus; acolhê-lo e perceber nele alguém que partilha um destino comum” (CNBB 109). Nosso Papa Francisco fala da comunidade como lugar de santificação: “A comunidade que guarda os pequenos detalhes do amor, e na qual os membros cuidam uns dos outros e formam um espaço aberto e evangelizador, é lugar da presença do Ressuscitado que a vai santificando segundo o projeto do Pai” (Gaudete et Exsultate, 145).   

A comunidade hospitaleira torna-se também missionária, sai da sua tenda e vai ao encontro de quem ficou pelo meio do caminho, caído, excluído, esquecido. Com Marta e Maria aprendemos a estar na casa (templo) e ali, num ambiente familiar, de encontro com os irmãos e com o Senhor, receber a Palavra e a Eucaristia. Com Abraão, aprendemos a sair da tenda (templo) e ir ao encontro dos irmãos e socorrê-los em suas necessidades.

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