Opinião

Assédio sexual, dignidade e dom de si: do #MeToo a São João Paulo II

Em 2017, um furacão se abateu sobre os meios cinematográficos norte-americanos, com uma série de denúncias de assédio sexual e até estupros sofridos por atrizes famosas, culminado na criação da hashtag #MeToo e do movimento Time’s Up.

No início de 2018, um grupo de personalidades femininas francesas publicou um manifesto indo, de certa forma, no sentido contrário: reconhecem a necessidade de combater o estupro e a violência sexual, mas acreditam que o movimento norte-americano tem uma tendência puritana que levaria à condenação dos jogos de sedução e da liberdade sexual, além de injustiçar muitos homens.

Como se baseiam em problemas reais, alguma razão os dois lados têm. Mas se levados ao extremo acarretam numa distorção do bem e da verdade.

Enquanto isso, na vida cotidiana, vai se impondo um novo código de conduta, com maior respeito à mulher, mas que parece inibir também o que seria uma justa liberdade e manifestação de afeto entre amigos de sexos diferentes.

Em tudo isso, onde está o justo equilíbrio?

Nossa dificuldade está em perdemos tanto a visão integral quanto o real valor das relações afetivo-sexuais. Quem quiser se posicionar, nessa questão, a partir dessa integralidade e desse valor, encontrará um subsídio precioso – talvez inesperado – na reflexão ética de São João Paulo II, particularmente no livro "Teologia do Corpo. O amor humano no plano divino" (Campinas: Ed. Ecclesiae, 2014). Sua intenção, nesse campo, era ajudar as pessoas, fosse qual fosse sua crença, a descobrir e aprofundar o sentido da própria vivência afetivo-sexual.

Partindo do Gênesis, Wojtyla mostra que o pudor exprime a nossa consciência de termos uma intimidade que deve permanecer inviolada e que o sinal mais explícito de um amor verdadeiro é a doação dessa intimidade ao outro.  Não se trata de uma afirmação “confessional”, mas de uma experiência que é compartilhada e pode ser compreendida por todos. Também não se reduz a ter mais ou menos pele exposta. Um índio poderá andar nu, mas nem por isso deixará de ter as suas manifestações de pudor – por mais diferentes que sejam das nossas.

Sempre que os comportamentos sociais perdem a referência a esse necessário pudor, a dignidade humana vem ultrajada. Contudo, não basta estabelecer limites. Essa intimidade não existe só para si, essa dignidade não se exprime de modo satisfatório enquanto não se realiza plenamente no dom de si ao outro.

Os limites não existem para nos fechar ao dom de si, mas para orientar nossa doação, de modo que doador e receptor saibam agir com respeito e reciprocidade diante da grandeza do gesto (pois o ser humano não pode fazer nada maior e mais digno que doar-se, por amor, ao outro).

Jogos de sedução e demonstrações de afeto têm a função de nos educar e nos ajudar a viver adequadamente essa experiência de doação, em suas várias modalidades e gradações. Quando isso se perde, nos tornamos vítimas de uma inaceitável violência, principalmente contra as mulheres, ou de uma vida afetivo-sexual que não satisfaz plenamente, pois cada um se fecha em si mesmo, sem perceber que sua dignidade se realiza na doação amorosa a um outro.

Num momento em que a sociedade repensa limites e comportamentos no campo afetivo-sexual, mais importante do que atacar ou defender um lado é, seguindo São João Paulo II, redescobrir o sentido mais verdadeiro e humano da nossa experiência. Pois, como afirma Bento XVI na Spe salvi (nº 24-25) no campo da ética a verdade deve ser redescoberta a cada geração.

 

Arte: Sergio Ricciuto Conte

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