Opinião

Armas a favor da paz?

Há poucos dias, assistíamos, estarrecidos, a uma incursão militar encetada por três superpotências com o escopo de garantirem, supostamente, a eliminação de depósitos de armas químicas existentes em território da tão sofrida Síria. 

O chorrilho de mísseis – não se sabe bem quantos, porque há uma guerra de informação dentro da guerra da Síria – teria função cirúrgica.  Portanto, de nenhum modo seriam atingidas pessoas humanas.

Como que num terrível ensaio de revival da guerra fria e, no limite, de conflito de maiores proporções (o que foi o estopim que desencadeou a primeira guerra?), atores que deveriam envidar todos os esforços para a solução pacífica dos conflitos, tal como preconiza a Carta das Nações Unidas, tomam à frente de conflitos graves, verdadeiras guerras civis, como se lhes fosse dada pela comunidade internacional a função de entes tutelares deste ou daquele país. 

É tempo de voltarmos à sabia lição de São João XXIII que se acha estampada na Pacem in terris , que busca entender e indicar que a justa e equilibrada relação entre Estados depende da adequada abordagem de quatro conceitos fundamentais: a verdade, a justiça, a liberdade e o amor. 

A partir desse olhar cristão sobre quaisquer conflitos, bem poderíamos indagar o que se passa na Síria. 

É verdade que houve a utilização de armas químicas? O precedente do Iraque, relativamente recente, não permite resposta pronta e cabal. 

É justo sujeitar o povo sírio às aflições de um ataque de curso imprevisível e de consequências idem? 

A liberdade, como eixo de discussão de todo o processo condutor à paz naquele país, exige, de todos, sem exclusão de ninguém, responsável compromisso com cada uma das ações que intenta. Não posso libertar o outro se me valho, para tanto, de mais guerra, de mais demonstração de poderio militar. Devo, antes, conter os excessos; evitar os erros e fazer todo o esforço para que a mesa de negociações esteja sempre posta. 

Jamais será conquistada a paz, não apenas na Síria, mas em todo e qualquer lugar do mundo onde os conflitos se apresentam, se o coração humano não estiver aberto ao amor, qualidade inerente a Deus, como explicita São João XXIII.

O amor rejeita todas as fórmulas de destruição, inclusive aquelas que são travestidas de funções corretivas e dissuasórias. 

Ocorre que a paz é tão exigente quanto o amor, em certo sentido. 

A paz depende, para além da perspectiva individual, daquela que situa o todo: a coletividade. Exige que a sociedade mundial seja mais justa; mais humana. 

O estado de coisas atual fomenta as guerras internas (como a da Síria) e as ingerências dos todo-poderosos. 

Bem percebeu essa situação São João XXIII quando perguntou: “Esquecida a justiça, a que se reduzem os reinos senão a grandes latrocínios? ”

As armas a favor da paz, para invocarmos a epígrafe da Mensagem lançada pelo Beato Paulo VI, em 1976, estão sintetizadas na Declaração Universal dos Direitos Humanos - que bem pode ser considerada o guião para a paz, para a justiça, para o amor e para a liberdade. 

Urge a convocação de uma conferência de paz para a Síria. Essa conferência deve ter o amor como pauta; deve ser o caminho para a civilização do amor.
Arte: Sergio Ricciuto Conte

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