Comportamento

Ação que brota do vínculo – onde foi parar?

Na relação entre pais e filhos, muita coisa foi mudando nas últimas décadas. Como em toda mudança, ganhos foram alcançados, mas não se pode negar que perdas significativas aconteceram.
Neste artigo, gostaria de me deter num fenômeno que vem sendo observado por todos os que estão envolvidos na educação de crianças: a crise da autoridade dos pais. 
Proponho uma reflexão sobre o tema, pois penso ser importante tomarmos consciência dessa crise e do quão nociva ela é para o desenvolvimento dos pequenos e para a saúde relacional da família. 
Em meio a todas as mudanças socioculturais que vêm acontecendo, é evidente o desprestígio da autoridade. Muitas correntes de pensamento contrapõem a autoridade à liberdade, ou seja, tratam essas duas questões como se uma fosse incompatível com a outra – quando se exerce a autoridade não se possibilita ao outro viver com liberdade. Quantos de nós, pais, não nos vemos diante desse dilema na educação de nossos filhos?
Precisamos saber, no entanto, que há um equívoco nessas correntes no que tange à definição desses conceitos. Elas normalmente tomam como autoridade o autoritarismo e denominam independência como liberdade. Quando são assim conceitualizados, de fato não é possível que convivam. Outro equívoco recorrente, segundo Bernal, Rivas e Urpí (2012), “consiste em interpretar as consequências práticas da autoridade e da liberdade da mesma maneira em relações humanas diferentes. Quer dizer, uma coisa é a autoridade política e outra coisa a autoridade dos profissionais ou dos pais...” Do mesmo modo, a ideia de liberdade precisa ser vista de acordo com a circunstância: na ordem política, cultural ou na relação mais estreita com amigos, pais, esposos, levando-se ainda em conta a idade e a capacidade do exercício desta. Enfim, o importante dessa ideia geral é percebermos que o movimento sociocultural de exaltação da liberdade tomada como independência acaba nos trazendo na bagagem a ideia de que toda autoridade é ilegítima ou pode ser nociva. Isso trouxe influências extremamente desastrosas para as relações familiares, especialmente para a relação dos pais com seus filhos. 
É comum, hoje, o exercício da autoridade no âmbito da família estar tão restrito que cada um acaba sendo sua própria autoridade. Do ponto de vista prático, o que acontece verdadeiramente é um exercício mútuo de autoritarismos, que, por vezes, leva cada um dos membros da família a uma direção diferente, minando a riqueza de os membros compartilharem entre si metas, projetos e planos. 
Mesmo que a autoridade ainda esteja presente no discurso de muitos pais, ela está factualmente ausente do exercício educativo e do convívio familiar.  Há uma enorme preocupação de se evitar conflitos, traumas, imposições, na ilusão de que filhos pequenos consigam compreender os motivos das orientações dos pais e agir coniventes com elas – movimento absolutamente contra o natural desenvolvimento da pessoa. 
Por outro lado, o acesso facilitadíssimo às informações e a tendência social de especialização do conhecimento acabam aprisionando os pais. Explico-me: os pais delegam aos psicólogos e profissionais de educação o saber sobre educar seus filhos e acabam “engessados” em suas ações. Tornam-se pesquisadores de técnicas, receitas e orientações na internet, perdendo a espontaneidade e ignorando o saber que o vínculo que têm com os filhos lhes dá. É preciso que os pais resgatem o protagonismo, que percebam que o vínculo, o conhecimento e o afeto que nutrem na relação com os filhos lhes dão um saber próprio da educação parental – não educarão como profissionais, mas, sim, como pais. Isso não significa que é nocivo aprender; ao contrário, aprender enriquece. O que é extremamente nocivo é que essa aprendizagem mine a confiança na capacidade que o vínculo com os filhos lhes dá para que os eduquem – todo conhecimento que vier deve adicionar e nunca diminuir tal confiança.
No próximo artigo, aprofundaremos o tema dos benefícios da autoridade parental, dentre eles o quanto ela potencializa a futura liberdade dos filhos.

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