Bioética e defesa da vida

Aborto e a banalidade do mal

Na década de 1960 a pensadora judia Hannah Arendt cunhou a expressão “banalidade do mal”. Para ela existe um tipo de mal que não é metafísico e transcendente. É um mal que, a princípio, não está relacionado com a religião e com a salvação da alma. É um mal estabelecido pelo próprio ser humano, um mal produzido dentro da história. Trata-se do “mal” no sentido da mais radical negação da ética e da dignidade da pessoa humana. De forma muito forte Arendt identifica essa banalidade do mal, no século XX, com o regime nazista. Um regime que transformou a morte em produto industrial, que matou milhões de pessoas de forma organizada e sistemática, como se a morte fosse um produto de uma linha de produção fordista.     

A ideia de que existe uma banalidade do mal pode ser encontrada em quase todo o século XX. Um século que levou a morte a condição de produção em larga escala. Essa banalidade pode ser percebida, por exemplo, na cruel guerra de trincheiras da Primeira Guerra Mundial, na carnificina que foi a Segunda Guerra Mundial, no uso da bomba atômica, em 1945, e de armas químicas na guerra da Coreia e do Vietnã. De certa forma, o ser humano sempre foi cruel e teve impulsos assassinos, mas o século XX surpreendeu toda a história humana e, com isso, conseguiu superar as formas de matar e a eficiência que a morte era distribuída ao redor do planeta Terra.

Na sociedade contemporânea existe a tentativa de ampliar a discussão de Arendt sobre a banalidade do mal. Por isso, percebe-se que o mal continua sendo banalizado, que o ser humano continua construindo estruturas sociais desprovidas de ética e de respeito à dignidade humana. Por exemplo, em nossos dias a banalidade do mal aparece nas pessoas que morrem nas filas dos hospitais, no abandono das crianças, na eutanásia praticada em idosos nos países desenvolvidos da Europa, no abandono dos refugiados, na não distribuição de medicamentos básicos a vida humana e muito mais.

Em termos de uma prática da banalidade do mal o século XXI não é muito diferente do século XX. Uma das formas mais radicais e eficientes de manifestação da banalidade do mal é o aborto. O aborto, por si só, é um ato horrendo, terrível. É a negação radical da vida, é não permitir que um ser humano desfrute do mais fundamental dos direitos, ou seja, o direito a vida, o direito de nascer. No entanto, para surpresa, em nossos dias o aborto é apresentado como solução para problemas de saúde pública, como emancipação de grupos sociais radicais e até mesmo como realização de algum projeto delirante de felicidade individual. Em muitos ambientes sociais e até mesmo dentro do judiciário fala-se em legalização do aborto como solução para conflitos humanos.

Na prática a banalidade do mal continua presente na sociedade humana da forma como foi descrito por Arendt. A diferença é que no século XX matavam-se milhões de pessoas de forma eficiente e rápida nos campos de concentração e, atualmente, deseja-se continuar matando, mas, não mais nos campos de concentração nazista, deseja-se matar nas clínicas de aborto. A banalidade do mal permanece a mesma apenas mudou o local do extermínio. A sociedade contemporânea precisa se reencontrar com a ética e com o respeito pela dignidade da pessoa humana.

 

Ivanaldo Santos é escritor, pesquisador e professor universitário. E-mail: ivanaldosantos@yahoo.com.br
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