Espiritualidade

‘A quem iremos senhor? Tu tens palavras de vida eterna’ (Jo 6, 68).

“...Então Jesus disse aos doze: Vós também vos quereis ir embora?” (Jo 6, 67). Ao que Pedro responde: “A quem iremos Senhor? Tu tens palavra de vida eterna. Nós cremos firmemente e reconhecemos que Tu és o Santo de Deus”, (Jo 6, 69). A resposta de Pedro ao questionamento de Jesus nos faz também pensar nas nossas escolhas. Diante da pergunta de Jesus após a debandada de muitos que O seguiam e murmuravam por causa de suas palavras, por vezes “duras demais”, o grupo dos doze discípulos é obrigado a fazer a sua escolha: segui-lo com todas as exigências e consequências da missão ou voltar para trás sem a sua companhia.

A vida é feita de escolhas. Por sua vez, a vida cristã também é uma escolha. Cristão é todo aquele que tendo escolhido seguir Cristo, pondo em prática os seus ensinamentos, vive e busca a cada dia viver pela fé. Fé em Jesus Cristo, filho de Deus, fé nas suas palavras, fé nos sacramentos por Ele deixados, fé na sua Igreja. Muitos daqueles que o abandonaram só o abandonaram porque não tinham fé. Também não estavam abertos para acolhê-la como dom de Deus: “Esta palavra é dura. Quem consegue escutá -la?” (Jo 6, 60). Dura porque divergia dos interesses pessoais de cada um, o que provoca neles revolta, descontentamento, “escândalo”. Jesus sabia das fraquezas dos seus seguidores: “Entre vós há alguns que não creem” (Jo 6, 64), mas nem por isso deixou de exigir deles uma opção clara, uma escolha e decisão comprometida com a verdade, com a justiça, com o Reino de Deus. 

Ser cristão é também saber escolher como um comprador de pérolas preciosas, que encontrando uma de grande valor, vai feliz, vende tudo o que tem e compra aquela pérola (cf. Mt 13, 45), ou como um pescador que, ao lançar a rede ao mar e apanhando grande quantidade de peixes, senta e escolhe os que prestam (cf. Mt 13, 4748). A vida cristã é antes de tudo um chamado de Deus “único e irrepetível” na vida de cada um: “Ninguém pode vir a mim a não ser que lhe seja concedido pelo Pai” (Jo 6, 65). Querer ir embora é um ato livre de cada pessoa após ter estado com o Senhor. 

Com frequência, surpreendemo-nos conosco mesmos fazendo nossas exigências para viver a fé. Muitos de nós gostaríamos que Deus não fosse tão misericordioso a ponto de permitir a existência do pecado, da dor, da morte. Gostaríamos que a Igreja fosse do nosso jeito, que fizesse aquilo que eu penso, que falasse aquilo que eu gosto de ouvir, que me entendesse etc. Os seguidores de Jesus que foram embora depois de ouvir suas “duras palavras” fizeram uma escolha. Sentiram-se mais confortáveis desistindo de segui-lo a pôr em prática os seus ensinamentos. Escolheram desistir a ouvir suas palavras de espírito e vida (cf. Jo 6, 63). As coisas do mundo são mais fáceis, mais atraentes, ao passo que as coisas espirituais são mais difíceis, exigentes. A fé é exigente. Exige confiança em Deus. Exige total abandono no seu amor misericordioso de Pai, de Filho e de Espírito que santifica. Como realidade espiritual, a fé nem sempre é fácil, exige renúncias, rupturas, conversão. Obriga-nos a sairmos de nós mesmos para seguirmos a Deus. Exige que superemos nossas fragilidades da vontade da carne e a nos fixarmos nas coisas de Deus. 

O Papa Francisco nos recomenda viver a alegria do Evangelho, mudando nossa mentalidade e nossas estruturas, muitas vezes negação da vida de fé que escolhemos e abraçamos no dia do nosso batismo. A única escolha que nos salva é Cristo. Ao mesmo tempo que Cristo é para nós um dom de Deus, é também o “objeto” de nossa livre escolha. A nossa condição de pecadores, a exemplo de Pedro e dos outros discípulos, acolhidos por Jesus, nos mostra que também nós somos agraciados por Deus com a força do seu amor e o poder da fé que nos ajuda a escolhê-lo e segui-lo, desde que totalmente abandonados a Ele, necessitados d`Ele, como única opção para a nossa felicidade e salvação: “A quem iremos Senhor? Só Tu tens palavra de vida eterna”. 

 

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