Fé e Cidadania

A conjuntura entre o tempo e o espaço

“O ‘tempo’ [...] refere-se à plenitude como expressão do horizonte que se abre diante de nós. [...] Os cidadãos vivem em tensão entre a conjuntura do momento e a luz do tempo. [...] Daqui surge um primeiro princípio para progredir na construção de um povo: o tempo é superior ao espaço. Este princípio permite trabalhar a longo prazo, sem a obsessão pelos resultados imediatos. Ajuda a suportar, com paciência, situações difíceis e hostis ou as mudanças de planos que o dinamismo da realidade impõe. [...] Um dos pecados que, às vezes, se nota na atividade sociopolítica é privilegiar os espaços de poder em vez dos tempos dos processos. Dar prioridade ao espaço leva-nos a proceder como loucos para resolver tudo no momento presente, para tentar tomar posse de todos os espaços de poder e autoafirmação” (Evangelii Gaudium, EG, 222-223).

Essas palavras do Papa Francisco podem ser muito úteis a nós, brasileiros, no momento atual. É evidente que a luta contra a corrupção está longe de atingir seus objetivos e uma sombra de suspeita já paira sobre seus principais protagonistas em função das denúncias da chamada Operação Vaza Jato. A Reforma da Previdência mal foi aprovada em 1º turno na Câmara dos Deputados e seus defensores já lembram, com realismo, que ela não é suficiente para garantir a retomada do crescimento econômico. Expoentes da nova geração de políticos fazem autocríticas ou se contrapõem aos movimentos que os elegeram, enfrentam oposição e censuras em seus próprios partidos.

Diante dessas situações, podemos cair em dois extremos irracionais. Um é a desilusão de acreditar que tudo vai continuar como era, que não vale a pena se esforçar pela mudança. O outro é a ilusão que se apega aos erros do passado para não reconhecer os problemas do presente: “Antes estava muito ruim, o outro partido fazia coisas ainda piores”. Mas um pecado do passado não nos autoriza a pecar no presente.

Um realismo coerente, eticamente comprometido com o bem comum, nesses momentos, exige essa visão da história, ampla e generosa, que o Papa nos apresenta. O mundo se desenvolve em processos, sempre mais lentos e mais cheios de contradições do que gostaríamos que fossem, tanto na esfera privada quanto na pública. Nem por isso deixamos de nos dedicar à construção de um futuro melhor, ainda que os processos sempre exijam um esforço de correção e melhora.

O futuro não está garantido porque nosso candidato ganhou nem está arruinado porque ele perdeu. Nas duas possibilidades, temos de continuar a trabalhar a longo prazo, suportando as dificuldades do presente e as mudanças de plano e as desilusões que fatalmente acontecem, como lembra Francisco.

Sem essa grandeza humana, típica da sabedoria da Igreja, passamos a “proceder como loucos para resolver tudo no momento presente, para tentar tomar posse de todos os espaços de poder e autoafirmação”. De onde pode vir essa tranquilidade, essa esperança no futuro, que permite construir mesmo com as contradições do presente e as desilusões do passado? Bento XVI, numa perspectiva escatológica, lembra que “a fé [...] nos dá já, agora, algo da realidade esperada, e esta realidade presente constitui para nós uma ‘prova’ das coisas que ainda não se veem” (Spe Salvi, SS, 7).

A memória e a gratidão por aquilo que, com a graça de Deus, já experimentamos em nossa vida pessoal e comunitária iluminam nosso entendimento acerca da realidade, até mesmo nas conjunturas políticas mais desafiadoras.

Francisco Borba Ribeiro Neto, sociólogo e biólogo, 
é coordenador do Núcleo Fé e Cultura da PUC-SP

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